Buscar
Academia, Género,
Derecho y Sexualidad.
É isto uma mulher? Disputas narrativas sobre memória, testemunho e justiça a partir de experiências de mulheres-militantes contra a ditadura militar no Brasil
Na presente tese são abordadas as disputas semânticas idealizadas por
mulheres que militaram contra a ditadura militar no Brasil em seus requerimentos
de anistia encaminhados à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça brasileiro.
De modo específico, interessam os significados discursivos que permeiam a
significação da memória, do testemunho e da justiça. Assim, o objetivo geral desta
investigação consiste em compreender em que medida é possível considerar que as
disputas narrativas idealizadas por mulheres-militantes em requerimentos de anistia
feitos à Comissão de Anistia brasileira apresentam novos pressupostos à reflexão
sobre a memória, o testemunho e a justiça. As narrativas analisadas fazem parte de
um conjunto de trinta e oito requerimentos de anistia categorizados e sistematizados
a partir de uma pesquisa documental no acervo da Divisão de Arquivo e Memória
da referida Comissão. Os achados da pesquisa em torno da categoria ‘memória’
denotam que as mulheres-militantes consideram as experiências de injustiça não
como um objeto passivo da história, mas que irrompe o próprio ato de re-memorar.
É denominada, a partir das narrativas, a dimensão arquetípica da memória, a qual
media o registro sensível, ao passo que fixa o ponto de vista das mulheres sobre os
acontecimentos. O agenciamento discursivo que é acionado pelas mulheres remete
à luta contra o progressismo e pela consideração do sofrimento. Ainda, que o
retorno discursivo à experiência de injustiça mesma reflete a ética em relação ao
passado e introduz a noção de narrativasexperiências enquanto uma
microlinguagem e abertura para a significação filógina da violência política. As
reflexões em torno da ‘memória’, nas narrativas das mulheres-militantes, são
finalizadas ao conjecturar a rememorialização como um ato de citação. Quanto às
questões que perfazem a significação do ‘testemunho’, a narrativa das mulheres
demarca o ato de ‘narrar-se’ nos requerimentos como um éthos discursivo
gendrificado que localiza semanticamente a experiência traumática. Os processos
de ‘despersonalização de gênero’ revelam uma topologia narrativa da violência em
contraste com a categoria gênero, destacada a partir de alguns marcadores
discursivos. A tortura é assumida pelas mulheres-militantes enquanto um
dispositivo de captura de gênero e problematizada a partir dos regimes de saber
médico e psíquico identificados nos excertos. As enunciações presentes nos
testemunhos também fabricam uma ontologia do corpo-narrativa a partir de três
principais projeções: o ‘corpo-instrumento’, o ‘corpo-implicado’ e o ‘corpolascivo’. No tocante à ‘justiça’, as mulheres-militantes aludem às permanências da
dinâmica meramente procedimental da ‘justiça’ e as estratégias de insurgência
discursiva forjadas na proposição dos requerimentos de anistia. Questionam a
institucionalização de suas narrativas de injustiça e a necessidade de construírem
um vocabulário que se adeque à lógica burocrática da Comissão. Interrogam sobre
‘o que (não) cabe nos requerimentos de anistia’ a partir de elementos de coerência
que insistem na centralidade das narrativas de injustiça. Por fim, o status de verdade
que as mulheres-militantes assumem revela uma conotação terapêutica, uma
verdade-narrativa, alegórica. Frente à mera procedimentalidade, as mulheres
aludem à narrativa de injustiça enquanto um acontecimento sensorial.